segunda-feira, 21 de fevereiro de 2011

O Coronelismo no Brasil


"O coronelismo pode ser rusticamente definido como um sistema político utilizado pela república velha baseado na troca de favores entre o governo e os coronéis e na dominação onipotente do coronel em sua região. Ele reflete a transação da estrutura política monárquica para a republicana, pois é um fenômeno social e político que mistura o antigo e o novo." Leia mais abaixo:


Bom galera, acho o coronelismo um tema interessante, pois foi uma grande forma de controle social no início da república. A figura do coronel já não possui a força política e o controle social de antes. Porém, as práticas utilizada pelos coronéis para o controle e manobra da população ainda são muito atuais. Portanto, pegue a enxada, passe pela urna e vamos ao artigo...

O coronelismo pode ser rusticamente definido como um sistema político utilizado pela república velha baseado na troca de favores entre o governo e os coronéis e na dominação onipotente do coronel em sua região. Ele reflete a transação da estrutura política monárquica para a republicana, pois é um fenômeno social e político que mistura o antigo e o novo. Novo por que é decorrente das instituições modernas como autonomia e o voto universal e antigo por que teve suas bases sobre estruturas arcaicas como as grandes propriedades rurais e o mandonismo no interior.

Tendo seu ápice entre os anos de 1889 e 1930, a estrutura de controle dos coronéis tem suas bases fundadas ainda à época colonial. Durante a monarquia, o estado não possuía aparato administrativo e financeiro para se fazer presente em todas as regiões, principalmente as mais distantes e remotas. Para tanto, delegava aos chefes locais as funções governamentais. Na prática, os chefes governavam da maneira que lhes era mais adequada, aplicando suas próprias leis. Nessa época não existia o coronel, mas já se estruturava o modelo clientelista utilizado por este. O chefe local controlava a terra, o trabalho, a política e a justiça. Era o chefe e o homem-bom, grande proprietário de terras e escravos, o que fez com que fosse a base da organização colonial.

Em 1831, o governo regencial cria a Guarda Nacional, baseada no molde francês. Ela é a instituição que irá ligar os proprietários rurais a política. Inicialmente criada para manter a ordem, a guarda coloca nas mãos dos grandes proprietários o controle da população. O governo regencial passa a vender postos militares e a hierarquia da guarda passa a seguir a hierarquia de renda local. Os chefes locais automaticamente passaram a ocupar os postos mais elevados, ou seja, o de coronel.
Após a Proclamação da República e a extinção da Guarda Nacional, o título de coronel permaneceu para os que detinham grandes parcelas do poder econômico e político. Segundo José Murilo, o chefão local virava coronel, o posto mais alto, o segundo mais poderoso virava tenente-coronel, o seguinte major, e assim por diante. Lavradores e artesãos tinham que se contentar em ser praças. A Guarda foi um eficiente mecanismo encontrado pelo governo para cooptar os senhores de terra, para estreitar o laço entre governo e poder privado.

Com a Proclamação da República e o começo da administração federativa, o poder dos coronéis foi ampliado. Na época colonial, o poder dos estados estava nas mãos dos presidentes da províncias. Estes eram homens de confiança do ministério, porém não tinham poder próprio nem condições de construir suas bases de poder, podendo até mesmo ser removidos a qualquer momento. Com o federalismo cria-se uma figura política com amplos poderes, o governador do estado. Ele era eleito pelas máquinas partidárias e portanto chefe da política local. É em torno dele que se formaram as oligarquias rurais, tendo nos coronéis a sua base.

Após eleito, o governador dependia do apoio da maioria dos coronéis para manter a estabilidade e governabilidade dentro dos estados, e para isto sufocava a oposição. Entretanto, o que se observava no interior dos estados era que oligarquias rivais brigavam entre si pelo poder. Os políticos que perdiam fazer oposição ao governo federal, gerando um clima de instabilidade política.

Devido a isso Campos Sales cria a “política dos governadores” com o objetivo de resolver essa questão. Era na prática, a institucionalização das relações Coronel - Governador - Presidente - Governador - Coronel. Com a política dos governadores, os governantes dos estados dariam apoio irrestrito ao governo federal. Para isso, o governo só deveria permitir a vitória dos políticos pertencentes a esses grupos, impedindo a posse dos eleitos pelos partidos de oposição. Com essa política, a oposição ficava impossibilitada de vencer as eleições e por isso, em sua maioria, passava para a situação. A política dos governadores serviu para criar novas oligarquias estaduais e reforçar as já existentes. Conseguiu diluir de forma consistente as ações oposicionistas dentro dos estados.

O coronel fecha esse ciclo clássico da República Velha. Seu elo de ligação com as forças estaduais é o voto, pelo qual elege os candidatos do governo com os quais possui relações, certo? Talvez, não podemos atribuir apenas ao voto a ligação entre os coronéis e as forças estaduais. Existem amplas evidências de que o voto era controlado, mas o seu valor como mercadoria pode ser posto a prova. As eleições eram sabidamente fraudadas. Quem fazia a apuração dos votos e reconhecia os deputados era o Congresso em acordo com o presidente da República. Esse era o acordo feito por Campos Sales e os governadores.

Então, qual a relação de dependência entre coronéis e governadores? Para manter a estabilidade do sistema o governador dependia do apoio da maioria dos coronéis, sendo o voto de importância secundária nesta aliança. O mais importante eram o apoio e a não rebelião. O jogo político denota favorecimentos a um grupo e consequentemente restrições a outro e quando entravam em conflito com a maioria dos coronéis os governadores ficavam em posição difícil, muitas vezes insustentável. José Murilo cita os casos da Bahia, de Goiás, do Ceará e de Mato Grosso. Em todos eles, os governadores foram desafiados, humilhados e mesmo depostos.

O controle intenso dos votos por parte do coronel era importante pela comprovação do seu domínio e influência local. O voto de seus agregados no candidato apoiado era a institucionalização do seu apoio ao candidato do governo, pois na prática não era o voto o principal alicerce dessa relação. Segundo Victor Nunes, “despejando seus votos nos candidatos governistas nas eleições estaduais e federais, os dirigentes políticos do interior fazem-se credores de especial recompensa, que consiste em ficarem com as mãos livres para consolidarem sua dominação no município”.

Tido no imaginário como figura onipotente, o que levava os coronéis a buscarem apoio no Estado era a sua decadência econômica. Com a administração descentralizada, o Estado expandia sua influência, na medida em que diminuía a dos proprietários de terra. Tendo seu poder político enfraquecido perante dependentes e rivais, a manutenção desse poder passou a exigir a presença do Estado. O coronel passa a depender governo para se manter. Segundo Víctor Nunes, o coronel não era funcionário do governo, mas tão pouco senhor absoluto, independente. Era um intermediário e sua intermediação sustentava-se em dois pilares. Um deles era a incapacidade do governo de levar a administração, sobretudo da justiça, à população. Constrangido ou de bom grado, o governo
aliava-se ao poder privado, renunciando a seu caráter público. O outro era a dependência econômica e social da população. Até 1940, a população brasileira era predominantemente rural (60% nessa data), pobre e analfabeta. Um elementar senso de autodefesa lhe dizia que era mais vantajoso submeter-se ao poder e à proteção do coronel. Fora dessa proteção, restava-lhe a lei, isto é, o total desamparo. Não havia direitos civis, não havia direitos políticos autênticos, não havia cidadãos. Havia o poder do governo e o poder do coronel, em conluio.

Figura folclórica da cultura brasileira, o coronel é por muitas vezes retratado em novelas e obras literárias. Temidos e respeitados mantinham certa intimidade com seus eleitores. Em sua maioria carismáticos, realizavam visitas a seus afilhados e concediam favores.

As relações entre o coronel e “seu povo” eram baseadas na dependência e na concessão de favores. Quanto maior a capacidade do coronel de conceder favores e controlar “seu povo”, maior o seu poder. Eles conseguiam empregos para as pessoas, hospital para os enfermos, escolas, tiravam gente da cadeia, doavam terras e patrocinavam festas. Em troca, exigiam respeito, fidelidade e o voto. Além das relações clientelistas baseada na troca de favores, o coronel apaziguava conflitos entre famílias, desavenças e realizava até mesmo casamentos e batizados.

O coronel controlava sua parentela através do modelo clientelista: Concessão de benefícios públicos e isenções, em troca de apoio político, sobretudo na forma de voto. No caso dos coronéis o apoio estende-se a proteção em conflitos. Os privilégios dessa política econômica eram mantidos também por essa extensa parentela. Ela ultrapassa o sentido de grande família. É um somatório de diversos núcleos familiares, envolvidos por vínculos sanguíneos ou não, mas com os vínculos de compadrio e as alianças matrimoniais que significavam a união política e econômica.

É da parentela que deriva o controle da máquina estatal por parte do coronel, ele nomeava ou articulava a nomeação dos membros de sua rede social, desde os cargos públicos mais altos até as professoras primárias. Entretanto, o controle dos cargos públicos não eram importantes apenas pelo empreguismo. Os cargos também estão ligados diretamente aos interesses econômicos. Cargos como de juiz de paz, delegados e cobradores de impostos eram importantes para controlar a mão-de-obra e perseguir trabalhadores de fazendeiros rivais, sendo uma importante arma na luta econômica.

Quanto a sucessão dos coronéis, esta não era necessariamente hereditária. Normalmente o coronel escolhia um sucessor da mesma classe social e que tivesse o magnetismo pessoal necessário a um coronel.

Na prática, o coronel, grande proprietário de terras, controlava a vida social e econômica em sua região e forçava o eleitor a apoiar seu candidato, por meio da troca de favores ou da violência, onde o voto era uma de suas moedas de troca. Esta prática é denominada voto de cabresto. Por meio deste, o coronel formava seus currais eleitorais controlando o voto em função das oligarquias estaduais.

Maria Isaura, coloca em questão o significado de “voto de cabresto” destacando uma diversidade de relações e o poder de manobra do eleitorado, já que o coronel assumia um dever moral de auxiliar e defender quem lhe concedeu o voto. Ele deveria cumprir com suas obrigações perante “seu povo”, já que seu poder não era exercido apenas pela força, havia uma ligação íntima entre o coronel e sua parentela devido a troca de favores.

No entanto não podemos colocá-los em pés de igualdade. O coronel tinha o controle social e militar e as relações estabelecidas eram de servidão. Não havia possibilidade de revolta contra os coronéis. Caso o cidadão não cumprisse o acordado era severamente castigado ou em casos mais drásticos o castigo era pago com a vida.

Para manter seu controle político e social, os coronéis formavam verdadeiros exércitos. Os intensos conflitos entre coronéis faziam com que estes, para se defenderem, se cercassem de jagunços e cabras (trabalhadores que ajudavam na defesa). Além disso, os coronéis se aliavam a grupos de cangaceiros fornecendo alimentos, armamentos e locais para se esconderem da polícia em momentos de necessidade. Esses coronéis eram chamados de coiteiros.

As relações entre coronéis e cangaceiros eram importantes para as duas partes. Enquanto o primeiro aumentavam sua margem de proteção aliando-se a diversos grupos, para o segundo, ter uma ampla rede de coiteiros era essencial para a longevidade de seu bando. Segundo Mirlene Souza, os latifundiários se valiam dos cangaceiros para empreender ações cujo objetivo era a disciplinarização de seus agregados e a intimidação de seus inimigos políticos. Sob esta perspectiva, os cangaceiros tinham a função de mantenedores da ordem social vigente, garantindo o controle do coronel sobre a população pobre e sobre a política local.

Entretanto, todo essa rede de controle passa a se desagregar lentamente. Em um primeiro momento o que enfraquece o poder dos coronéis é a urbanização e o crescimento demográfico. Apesar de aparentemente servirem para reforçar o seu poder, pouco a pouco o crescimento demográfico proporciona formações de grupos específicos que se estruturam para além do controle dos coronéis. A cidade, ao ser dividida por bairros, caracterizados por grupos economicamente relativos, promove o fortalecimento da solidariedade entre esses grupos, formando as sociedades horizontais.

A intensidade do poder do coronel está diretamente ligada a sua capacidade de fazer favores e dos seus laços de dependência, que se dão por meio da solidariedade vertical, onde a relação não é igualitária. O crescimento das sociedades horizontais com grupos unidos e sócio-economicamente coesos enfraquece o poder dos coronéis.

Outro fator que certamente influenciou na afrouxamento dos laços entre o coronel e sua parentela foi a criação da lei eleitoral de 1916, que tirou das câmaras municipais direito ao alistamento eleitoral (onde os eleitores da oposição eram impedidos de se alistar) e da apuração dos votos.

O coronelismo acaba oficialmente em 1930, com o fim da República Velha e a destituição das antigas oligarquias rurais. Entretanto, as mudanças no seio da sociedade não acontecem da noite para o dia e esse marco não significa extinção total dos coronéis. Durante décadas após a Revolução de 1930 muitos coronéis continuaram no poder amparados pelas arcaicas relações. Entre eles pode-se citar Chico Romão que morreu em 1960, Zé Abílio que falece em 1969, Tonho Santo Zé que morreu em 1959, apenas para citar alguns.

Podemos dar ao coronelismo uma data específica para o seu fim, mas sua estrutura de poder e as relações clientelísticas que este utilizou continuam vivas em muitas regiões do Brasil. Atualmente podemos citar a família Sarney no maranhão, Collor de Melo em Alagoas e a família de ACM na Bahia como exemplos de consequências do coronelismo. Elas representam a concentração de terras nas mãos de latifundiários e o controle político e econômico sobre a população.

Apesar das visíveis mudanças econômicas e demográficas, a desigualdade, a pobreza e o nível educacional não mudaram substantivamente, principalmente no nordeste. Esse é um problema que forma terreno fértil para as práticas clientelísticas. Podemos observar os currais eleitorais ainda hoje, até mesmo nas grandes cidades. Não como o voto de cabresto no modelo coronelista, onde o eleitor é coagido através da violência, mas sim através da assistência social e do empreguismo. Podemos contar os inúmeros centros de assistência social que levam nomes de políticos, oferecendo cursos profissionalizantes, assistência médica e dentária e até encaminhamento a empregos. As relações clientelísticas também acontecem quando comunidades recorrem a um determinado vereador para conseguir luz, ou a um deputado para trazer instalações de água. Não existe mais a figura do coronel intermediando as relações de troca entre o estado e o povo. Hoje em dia ela é feita de forma direta por representantes do governo. Estes controlam determinadas regiões, seus currais, fazendo com que o povo receba como assistencialismo o que é dever do Estado. Em troca, o povo mira seu voto no candidato que fez o elo entre os benefícios e a comunidade. Não podemos esperar educação, saúde e emprego de pessoas que vivem e enriquecem da falta desses itens a população.

Imagem 1: O controle do voto feito pelo coronel (Paródia).

Imagem 2: Batalhão de fuzileiros da Guarda Nacional (1840-1845).

Imagem 3: Charge sobre o controle exercido pelo coronel nas eleições.

Imagem 4: Família de Chico Heráclio, famoso coronel de Limoeira. Uma vasta rede de relações era fundamental para a manutenção do poder do coronel.

Imagem 5: Grupos de cangaceiros. Possuíam intensas relações com os coronéis e atuavam muitas vezes como mantenedores da ordem social.

Bibliografia

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