sexta-feira, 10 de julho de 2009

Historia do Brasil - Para onde levarão o nosso esgoto?

história do brasil"Em meio aos anúncios das autoridades sobre o aumento da qualidade de vida e os inúmeros projetos de desenvolvimento urbano, o que observamos na prática é que a maior parte do estado não possui uma rede completa de saneamento."




Bom galera, enquanto resolvia qual seria o primeiro post do blog pensei: Já que o submundo dos fatos deve permear os artigos, por que não começar por debaixo da terra? Vou discutir sobre os aspectos historicos do saneamento no Rio de Janeiro devido a nossas enchentes. Em meio aos anúncios das autoridades sobre o aumento da qualidade de vida e os inúmeros projetos de desenvolvimento urbano, o que observamos na prática é que a maior parte do estado não possui uma rede completa de saneamento. Durante a evolução das políticas de saneamento e habitação existe ora uma gestão capitalista, voltada para áreas de maior poder aquisitivo e lucro rápido e ora uma política voltada para o desenvolvimento industrial na cidade. Entre esses dois pólos, a maioria da poulação carioca, continua sem um sistema eficaz de saneamento. Vamos ao artigo...



Para onde levarão o nosso esgoto?

Em meio a segunda república um problema de saúde pública assolava a capital federal: O que fazer com o esgoto produzido pela cidade? Após discussões do meio intelectual e crises epidêmicas que vitimaram milhares de pessoas o governo resolve agir. A solução para o problema envolve um costume bem atual, a concessão para empresas de capital estrangeiro explorarem serviços em nosso país. Com a já conhecida demora no início das obras públicas e um conturbado começo de projetos e transferência de concessões, enfim o capital inglês mais uma vez aparece como salvação para os problemas da infra-estrutura brasileira.

Entretanto, os problemas com saneamento já assolavam a população carioca há algumas centenas de anos. No início do período colonial, não haviam banheiros nas residências, por isto o esgoto era lançado na rua. A cidade foi fundada em meio a lagoas e pântanos, que alagavam toda a região nos períodos de chuva. Até meados do século XIX, as principais saídas encontradas para o problema do esgotamento na cidade foram a abertura de canais, que levavam o esgoto até a Praça XV.

Porém, a partir de 1808 a cidade sofre diversos impactos devido a chegada da família real ao Brasil. Como a população duplicou em menos de duas décadas, a evolução do saneamento não acompanhou o crescimento populacional, material e econômico da cidade. Os dejetos ficavam instalados nos fundos das residências e eram recolhidos em barris, causando mau cheiro e infecções. Esses barris eram transportados pelos famigerados tigres e lançados em fossas na Praça da República. As águas de uso doméstico eram lançadas em valas construídas nas vias públicas, gerando diversos focos de mosquitos e doenças. As consequências deste costume foram drásticas. Entre 1830 e 1851 houveram 23 epidemias na cidade, tendo a febre amarela, em 1849, vitimado mais de quatro mil pessoas. Durante o período de intensas epidemias, surgiram diversos estudos e relatórios onde figuravam entre as principais proposições a construção de uma rede para escoar o esgoto e as águas pluviais, porém essas propostas se mantiveram apenas nos debates.

Após a violenta epidemia de cólera em 1855 vitimando quase cinco mil pessoas voltaram os debates em trono do problema do saneamento, o que levou o governo a decretar em 1856 a imediata construção das redes de esgoto sanitário e de águas pluviais. O imperador D. pedro II já havia aberto, em 1853, concorrência para a construção de um sistema de esgotamento sanitário tendo sido apresentadas duas propostas. A primeira, de João Frederico Russel, previa a construção das redes de esgoto em toda área central da cidade, sendo o esgoto coletado transportado para uma estação de tratamento, na realidade um simples tanque de precipitação química, sendo o material sólido vendido como adubo e o efluente encaminhado até o mar. A outra proposta, da Companhia Hanquet, visava a instalação de tubulações nas residências conduzindo o esgoto a barris lacrados e desinfectados que seriam levados para fora da cidade. Nada mais que um aperfeiçoamento do método dos "tigres".

Para convencer as autoridades Russell e seu sócio Joaquim Pereira Vianna de Lima Junior experimentaram seu projeto na Penitenciária Pública da Rua Frei Caneca. Após o sistema se mostrar eficaz, o contrato é assinado. Com a assinatura do contrato o Rio de janeiro passa a ser a segunda capital do mundo a implantar uma rede de esgotos sanitários, atrás apenas de Londres.

Os construtores teriam direito de explorar por noventa anos os serviços de esgotamentos,tendo a obrigação de construir duas redes, sendo uma referente as águas pluviais e a outra referente ao esgoto sanitário. O prazo para início das obras foi fixado em 18 meses, mas até o fim do prazo nada foi iniciado.

Após adiamentos e desentendimentos, o contrato foi transferido para a empresa The Rio de Janeiro City Improvements Company, de capital inglês, pois o contrato deixava em aberto a possibilidade da utilização de capitais estrangeiros nas concessionárias.

Parece ter havido uma relação íntima entre Russel e a City antes da transição da licença. Russel e sua empresa teriam sido utilizados como trampolim para a entrada da City no Brasil. Os estudos preliminares dos projetos de Russel foram feitos na Europa e o projeto definitivo é assinado pelo futuro presidente da City, Edward Gotto. Segundo Eduardo César Marques, Lima Junior e Russel receberam 89 mil libras esterlinas em troca da transferência da concessão. Para Guilherme Malaquias, John Frederic Russell era um cidadão inglês, residente numa casa no Outeiro da Glória onde hoje está situado o Hotel Glória. Ele teria aportuguesado seu nome enquanto vivera no Brasil.

Apesar da responsabilidade pelas obras estar atrelada a uma empresa privada, era o governo quem subsidiava a implantação dos sistemas, sendo a empresa remunerada de acordo com o número de prédios esgotados.

Foi no Distrito da Glória que as obras iniciaram. O distrito compreendia o Centro e os bairros de Laranjeiras, Santa Tereza, Flamengo, Catete e algumas ruas da Lapa. Em 1868 havia cerca de 7.800 casas com esgotamento sanitário concluído. A partir daí, a rede de esgoto sanitário se expandiu para outras áreas, hoje ocupadas por bairros como Botafogo, Praia Vermelha, Tijuca, Triagem, Benfica, entre outros.

Apesar da implementação das redes de esgotos por diversos bairros do estado, a maior parte da cidade continuava sem serviço de esgotamento, principalmente as camadas mais baixas da população. Segundo Jayme Larry Benchimol, somente cerca de 30% das habitações coletivas da época possuíam uma latrina para um grupo máximo de 20 habitantes. Por ser de responsabilidade de uma empresa privada, a implantação dos esgotos funcionava de forma capitalista e seu desenvolvimento era voltado para as regiões com maior rentabilidade, o que aumentou as discrepâncias entre diferentes bairros. Verificamos com isso, que o desenvolvimento do saneamento básico estava diretamente relacionado aos interesses econômicos e ao controle social. Observando a tuberculose, doença ligada as condições de trabalho, verifica-se que esta afetava tantas pessoas quanto a febre amarela e a varíola durante as epidemias e tinha um índice de infecção maior nos períodos entre epidemias, no entanto, por estar relacionada as condições de trabalho das camadas baixas, não recebeu qualquer tipo de ação pública durante esse período.

Até 1890, a rede de esgotamento sanitário foi construída sobre um sistema misto, recebendo os despejos de esgotos e águas pluviais, apesar do acordado em 1857 que determinava a construção do sistema individual. Esse panorama figura até hoje na cidade do Rio de Janeiro, onde parte dos logradouros tem uma rede mista de esgotamento. A rede mista causou e ainda causa, com facilidade, entupimentos e transbordamentos, o que fez com que o governo determinasse que a City teria que substituir gradativamente as instalações já executadas anteriormente, além de executar as novas instalações com o sistema separador absoluto. Atualmente, ainda existem muitas regiões do estado afetadas por enchentes, desde o centro do Rio até a Baixada Fluminense, onde muitas localidades receberam promessa de construção das redes de saneamento através do PAC.

Apesar da determinação do governo, as obras das redes de esgoto ficaram paradas a partir da década de 80, quando as redes chegaram à Tijuca, ao Andaraí, à Glória e à Botafogo. Somente em 1906 a City inaugurou a primeira rede com sistema separador absoluto, no bairro de Copacabana. Essa inauguração contrasta com a crescente valorização dos capitais imobiliários no bairro.

Apesar da inauguração da rede em Copacabana, a City passava por alguns problemas estruturais. A companhia paticamente não construiu rede de drenagem e as constantes inundações das redes de esgoto se tornaram tão sérias que a diretoria de Obras Públicas e Navegação contratou o inglês Joseph Hancox, em 1877. Ele construiu o que a City deveria realizar. Segundo Eduardo César Marques entre 1877 e 1886 Hancox construiu 82 km de redes de águas pluviais, enquanto a concessionária executou apenas 9 km durante os noventa anos de vigência de seu contrato. A empresa também entrou em atrito com construtores e engenheiros brasileiros, pois estes não concordavam com o fato da companhia importar materiais de construção. Este grupo levantava argumentos nacionalistas sobre a importância de valorizar as indústrias nacionais em detrimento das importações.

Apesar dos outros problemas, o setor de maior atrito com a City era o de capital imobiliário e empresas de urbanização, pois a empresa resistia em se associar aos demais grupos envolvidos com a acumulação urbana. Sua insistência em não executar ampliações e novos investimentos impediam o desenvolvimento de algumas áreas desejadas pela empresas de promoção imobiliária.

As articulações entre estes setores, empresas de transporte e o poder público eram constantes, e o setor de saneamento é muito importante para a valorização imobiliária. Esses confrontos fizeram com que a City fosse atacada durante vários anos pela Corporação dos Engenheiros, classificando-a como ineficiente e cara. Isso se deve ao fato dos principais nomes da engenharia brasileira terem íntima relação com as empresas de construção e urbanização e a indústria de materiais.

A falta de interesse da City com os capitais e empresas nacionais podem ser explicados por uma espécie de sentimento de superioridade dos ingleses, o que também pode justificar a insistência da companhia em importar materiais de construção quando o Brasil já possuía empresas emergentes e produção estável desse tipo de equipamento.

Neste ambiente de instabilidade o monopólio da City é quebrado em 1922. O ministério da Saúde e Educação cria a Inspetoria de Águas e Esgotos (IAE). A Inspetoria passou a receber todas as novas concessões de esgotos da cidade, além de coordenar os sistemas de água e parece ter resolvido o problema de articulação entre o setor de saneamento e as empresas do ramo imobiliário e de urbanização. A maioria dos bairros que receberam novas redes após a criação da Inspetoria eram bairros de alta renda e intensa produção imobiliária. Até o fim da concessão da City a inspetoria inaugurou em 1935 as redes de esgoto do Leblon, Ipanema e lagoa, em 1937 as redes do Grajaú, Morro da Viúva e Castelo e em 1938 a rede da Urca. A City continuou com a concessão até 1947, mas perdeu o monopólio e por isso, não implantou as redes de esgoto de novas áreas em expansão.

A partir da criação da IAE, o setor de saneamento básico passa a servir as necessidades da especulação imobiliária, levando serviços de qualidade para áreas em crescimento e valorização. Essa política gera discrepâncias entre bairros e nos mostra que o desenvolvimento do espaço urbano e de serviços relativos à qualidade de vida são artifícios para práticas discriminatórias e de exclusão social, havendo hoje muitas localidades com sérias dificuldades em relação ao saneamento. A historia do brasil agradeceria se os políticos pensassem melhor nestas questões.

Imagem: Prédio construído pela City em 1862.


Bibliografia

BENCHIOMOL, Jayme Lerry. Pereira Passos: Um haussman Tropical. Rio de Janeiro: Tip. Cosmopolita, 1887. V.1.

MARQUES, Eduardo César. Da higiene à construção da cidade: o Estado e o saneamento no Rio de Janeiro. História, Ciências, Saúde – Manguinhos, II: 51-67, 1995.

NETO, Guilherme Malaquias S. BARROS, Airton Bodstein de. A história do saneamento da cidade do Rio de Janeiro. Dissertação de mestrado - Escola de Engenharia da Universidade Federal Fluminense.

http://fotolog.terra.com.br/bfg1:369 - Acesso em 03/07/09.

O Próximo assunto será a nossa Consciência Latina ou a falta dela...

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